Joan Baez, Lula, Eduardo Suplicy (em pé) e Julio Emilio Moliné (bigode), São Paulo, Brasil, maio 1981. Foto cortesía J.E.Moliné |
“O Brasil
estava sofrendo uma epidemia de "carros-bomba" naqueles dias, (...) e a ditadura utilizou esse fato para evitar os
concertos de Joan para "proteger o público".
Joan Baez maio1981 ©Julio Emilio Moliné |
Depois daquela turnê histórica na que Joan Báez aterrorizou
tanto assim aos ditadores da Argentina, o Chile e o Brasil, que eles ameaçaram de morte a ela e foi proibida de cantar, entre outras coisas, a lendária
cantora, compositora e pacifista dará shows este mês de março nos mesmos
países onde seu canto fez tremer aos
genocidas em 1981.
Eduardo Suplecy e Joan Báez, Teatro Tuca, São Paulo, Brasil, maio 1981.
Foto: Folha de S.Paulo
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Joan Baez e Laura Bonaparte, México, maio 1981 ©Julio Emilio Moliné |
“A bela Laura Bonaparte era uma psicanalista argentina. Em 11 de Junho de 1976, seu marido, bioquímico, foi levado de sua casa, na frente dela e nunca mais viu a ele. Quando ela foi à procura de sua filha, que também tinha “desaparecido”, eles deram-lhe uma mão num frasco de vidro para que ela fizesse a identificação”. Joan Báez And a Voice to Sing With (autobiografia
Joan Báez e Adolfo Pérez Esquivel, Buenos Aires maio 1981 / Foto: La Nación |
"Durante a visita de Joan (...) eles colocaram uma bomba e tivemos que desocupar a casa (...) e levar correndo a Joan para um bar distante para mantê-la segura. Liguei para os bombeiros, que apareceram com um caminhão da esquadrão anti-bombas e retiraram do balcão uma caixa com fios que eram visíveis com a bomba, a que fizeram explorar na casa (....) a presença de Joan na Argentina foi um grande apoio e fortaleza para a causa em defesa dos direitos humanos, ela nos fortaleceu em nossa luta. "
Adolfo Perez Esquivel , La Nación , Buenos Aires, 1 de março de 2014
Lula e Joan Baez, maio 1981
Graças a Joan Báez por sua valente e amorosa turnê de 1981 para trazer consolo, alegria
e esperança às vitimas das ditaduras de Pinochet, Videla e João Baptista de Oliveira Figueiredo.
Graças a Joan Baez porque apesar de ser
ameaçada de morte, perseguida, proibida, ficou ao lado de nós, nos cantou e
mostrou ao mundo o horror das ditaduras no maravilhoso documentário: “Joan Baez in Latin America: There but for Fortune”.
Graças a Joan Baez porque ela deu voz, rosto e
humanidade ás vítimas.
Graças a Joan Baez por denunciar da mesma maneira os crimes cometidos pelas ditaduras de
direita, de esquerda e as democracias.
Graças a Joan Baez
por sua luta pelos direitos humanos, sua oposição às guerras, a carreira
armamentista, as discriminações, os regimes totalitários.
Graças a Joan Baez por fazer-me conhecer aos
16 anos a não-violência e a sua diferença com a passividade.
Graças a Joan Baez porque sua luta não se
limita a cantar e dar declarações à imprensa, como esse documentário e esta
reportagem (entre muitos outros fatos) provam.
Graças a Joan Baez por sua voz, que acalma todas as dores.
Graças a Joan Baez por ser faro e bandeira, mas também dúvida.
E graças Julio Emiio Moliné por compartilhar parte de suas lembranças e fotos daquela corajosa turnê da Joan Baez na América Latina... cá, por fortuna.
Joan Baez e Madres, Buenos Aires, maio 1981 ©Julio Emilio Moliné |
"Na Argentina, foi onde mais ameaçaram a Joan, nos expulsaram
de um hotel, jogaram bombas de gás lacrimogêneo (...) havia sempre um
Ford Falcon sem placas nos seguindo por toda parte. Dentro dele estavam quatro
rapazes misteriosos."
Julio, como é que você
se integrou à turnê humanitária e shows que Joan Baez realizou em 1981 pela
Argentina, o Brasil e o Chile para mostrar sua solidariedade com as vítimas
dessas ditaduras?
Uma manhã de
segunda no final de abril de 1981 recebeu um telefonema no trabalho (eu trabalhava numa emissora de TV) do meu amigo John Chapman, um cineasta independente de São Francisco. Ele me
disse: Você gostaria sair de turnê por América Latina com Joan Báez por um mês?
O que você acha? Filmamos a ela e fazemos um documentário.”
Eu falo espanhol,
tinha vivido muitos anos no Chile e viajado pela Argentina, então John pensou que eu era um bom parceiro para esta aventura. John era um cara
muito interessante. Um pouco mais
velho do que eu, ele tinha trabalhado em Apocalypse Now com Francis Coppola. Até está
como figurante numa das últimas cenas do filme. Em 1978 ele foi para a Nicarágua
durante a Revolução Sandinista e filmou um documentário muito bom, Scenes of a Revolution. Como eu também tinha filmado em Nicarágua, em seguida nos
tornamos amigos.
Eu disse que sim, embora não tinha férias e teria que obter permissão sem salário. O outro problema
era que minha esposa ficava grávida e nossa
filha nasceria durante a turnê, então precisava falar com ela primeiro. Generosamente
ela disse que sim. E nossa filha nasceu quando eu ficava em Buenos Aires.
Essa segunda à noite quando recebi o telefonema de
John, nós nos encontramos com Joan em um
restaurante chinês em Palo Alto. Joan
me deu o aval e começou os procedimentos de preparação.
Qual foi sua
impressão de Joan?
Eu me lembro de estar
um pouco chocado por estar comendo arroz chinês com uma pessoa tão famosa. Além
de ser uma mulher muito bela, ela foi muito amigável e cálida. Ela fez muitas
perguntas sobre a América Latina, algumas com boa informação e outras não tanto e pagou pela comida.
Ela me deixou uma
impressão muito boa por sua cortesia e seu bom humor.
Que dia começou a turnê?
John e eu nos reunimos com Joan e Jeannie em 3 de maio de 1981 na Cidade
do México, onde fizemos uma entrevista à doutora argentina Laura Bonaparte (sua
família sofreu muito nas mãos da ditadura), e naquela noite Joan deu um
concerto e aproveitamos para testar os equipamentos.
No dia seguinte, fomos para a Argentina, onde ficamos
até o dia 15 de maio, o dia em que cruzamos a Cordilheira dos Andes para o
Chile. Ficamos em Santiago até o
dia 19 de maio, quando saímos para o Brasil. Ficamos
em São Paulo e Rio por alguns dias e depois fomos para a Nicarágua. Daí John e eu voltamos para os EUA e Joan e Jeannie foram-se para a
Venezuela.
Essa turnê foi gravada, com exceção da Venezuela e a Nicarágua,
no maravilhoso documentário "Joan Baez in Latin America: There But for Fortune”. De
quem foi a idéia de fazer o documentário? Qual
era o objetivo? Como foi financiado?
O motor principal do documentário foi John Chapman,
que convenceu a Joan que seria muito bom gravar sua turnê para a história. Grande parte do financiamento para a
turnê veio de Diamonds & Rust, a empresa de Joan na Califórnia. Meu salário o pagou a KTEH TV, a
estação de televisão onde eu trabalhava. A KTEH também emprestou os equipes de
filmagem, financiou a pós-produção e os
custos editoriais. Para o coitado
de John foi bastante difícil durante a pós-produção, porque ele era
independente e não tinha salário.
Tragicamente, John Chapman morreu num acidente em
1983, menos de um ano depois de terminar o documentário.
Você acha que Joan Báez imaginava que ela iria receber
ameaças de morte, bombas, gás lacrimogêneo e censura de seus shows nos três
países?
Não. Ela acreditava que seria difícil, mas nunca na
medida em que aconteceu. Quem
plantou a semente da turnê na mente de Joan foi o escritor chileno Fernando
Alegria, que na época era professor de literatura na Universidade de Stanford. Ele acreditava que as coisas se estavam
suavizando um pouco no Cone Sul e que a visita de Joan daria muita energia aos
povos da América Latina e, especialmente, aqueles que estavam protestando
contra as ditaduras.
Como fizeram para filmar o documentário quando vocês eram
vigiados pelas ditaduras o tempo todo?
Foi muito difícil, porque o medo era mais comum do que
o sol, e por boas razões. Muito
poucos nos EUA sabiam da guerra suja na Argentina, dos esquadrões da morte no
Brasil e da DINA / CNI no Chile, mas nós sabíamos disso. Nos EUA isso foi totalmente ignorado
pela maioria. Lembre-se que, em
1980, Reagan foi eleito presidente nos EUA com a missão de reverter muitos dos
avanços liberais dos anos 70. Mas
eu tinha vivido a ditadura de Pinochet e sabia que seriamos sendo observados. O mais provável era que confiscaram nossos equipamentos no aeroporto e seria o fim do documentário. Por esta razão, decidimos ir super
leves com um par de câmeras Elmo Super 8,
gravadores de cassetes Sony TCD 5 e uma
grande mala de filme Kodachrome e Ektachrome.
Tínhamos um par de luzes e um tripé e isso era tudo todo.
Muitas das cenas do documentário são interiores:
concertos, apartamentos, casas de amigos, etc. Dessa maneira nós podíamos deixar fora
a vigilância e filmar o que podíamos com as poucas luzes que tínhamos. Para as cenas externas geralmente nós íamos
sem Joan porque ela atraia muita atenção.
Quem fez a equipe de Joan Báez, além de você?
Quatro: Joan, Jeannie Murphy, que era como a produtora
/ gerente de Joan, John e eu. Em
cada país, havia muitas pessoas que nos ajudaram e tornaram possível que só
quatro pessoas pudéramos fazer a turnê e o documental. Curiosamente, no Chile
os tablóides deram a entender que o John e eu éramos "amigos" (namorados)
de Joan e Jeannie, mas isso foi uma invenção de pessoas ao serviço da ditadura. No entanto, aos meus amigos no Chile isso
lhes causou muita graça.
Houve um país mais perigoso do que os outros ou em todos
Joan Baez foi perseguido da mesma forma?
O mais perigoso foi Argentina, mas acho que os
militares estavam mais interessados em que nada acontecera
com Joan mais que eles fazer dano
a ela. É minha especulação, mas
eu acho que no Chile, Pinochet ficava muito mais seguro de seu poder em
comparação com os militares argentinos ou brasileiros. O Brasil então era uma casa de loucos,
ou pelo menos essa foi minha impressão.
Na Argentina, foi onde mais ameaçaram a Joan, nos expulsaram
de um hotel, jogaram bombas de gás lacrimogêneo em uma reunião, etc.
Além disso, havia sempre um Ford Falcon
sem placas nos seguindo por todos os lugares. Dentro dele estavam quatro
rapazes misteriosos. Em Buenos Aires foi
o único lugar onde eu estava realmente com medo, uma noite cheguei a duvidar de
ligar o carro, porque poderia ter uma bomba. Essa noite foi a noite em que
minha filha nasceu.
No Chile, a questão foi mais sutil. Embora Joan tampouco pôde cantar em concertos
com ingressos , mas pelo menos ela pôde
cantar em público de maneira grátis. Se fomos seguidos pela ditadura, eu
não o percebi, mas com certeza que eles o fizeram.
O Brasil estava sofrendo uma epidemia de
"carros-bomba" naqueles dias, muitos dos quais foram atribuídos à
ditadura, quando a verdade veio à tona após. Mas
naquela época nós não sabíamos isso e a ditadura utilizou esse fato para evitar
os concertos de Joan para "proteger o público".
" A platéia lotava inteiramente as 1.200 cadeiras e todos os espaços dos corredores internos do Tuca (..) Essa platéia ficou de pé, e aplaudiu demoradamente, quando Joan Baez finalmente entrou no palco, pouco antes das 9 da noite – não para cantar, mas para avisar que estava proibida de exercer seu ofício (...) Na realidade, ela acabaria cantando duas músicas – sem qualquer acompanhamento, sem microfone, sem alto-falante, de uma janela – para umas 50 pessoas que conseguiram chegar perto da saleta da secretaria do Tuca. Cantou “Gracias a la Vida” e “Cálice”. Sergio Váz, Jornal da Tarde, São Paulo, 23 de maio de 1981.
Como recebeu o povo brasileiro a Joan?
O povo brasileiro a recebeu com amor, e mesmo que ele
não podia cantar, sempre que ele apareceu em público as pessoas aplaudiram a
ela.
Joan se encontrou com muitos representantes do Partido
dos Trabalhadores (PT). Eduardo Suplicy, eu acho que ele foi um deputado na época,
levou-nos para muitos lugares, incluindo uma reunião com Lula na periferia de São Paulo na união de
trabalhadores da indústria automobilística.
Suplicy tentou obter a permissão para que Joan pudesse
dar um concerto, até que eu me lembro que fomos a uma delegacia de polícia para que Spulicy fizera os trâmites, mas sem
sucesso.
Fomos a um concerto de Zé Ramalho e ele a recebeu muito
gentilmente no camarim (nuvens de fumaça), mas pediram a ela de não cantar, porque tinham medo do que poderia
acontecer com as autoridades. Acho que foi a auto-censura, mas pode ter havido
ameaças, isso eu não tenho certeza. Então
Joan subiu ao palco e dançou entanto o Zé cantava . O
público a ovacionou.
A gravadora de Joan no Brasil
Joan nos trataram muito bem, mas eles também foram muito frustrados porque que eles perderam uma grande oportunidade para
fazer propaganda de os discos do Joan no Brasil.
Joan também foi entrevistada pela TV Globo, onde o canal não nos
deixou filmar. Lembro-me até que o canal nem sequer queria que
John e eu entráramos no edifício. Nunca vimos essa entrevista porque eles
não a enviaram como tinham prometido.
Joan se lamentava pelas coisas que as ditaduras faziam a ela?
Nunca ouvi a ela se lamentar. Isso não é seu estilo.
Qual é o seu estilo?
Estóico. Sem
queixar-se de suas penas pessoais,
pois reconhece
que há outros que têm penas muito maiores.
Primeira Parte da entrevista.
Entrevista completa (espanhol): vmi
Los Angeles-City Bell, 3 de março de 2014
Fotos de Joan Báez: Julio
Emilio Moline
Cineasta independente com sede em Los Angeles,
Califórnia. É especializado
na produção, direção e edição de material de televisão nos Estados Unidos e
distribuição internacional. Moliné
viveu em Santiago, Chile, desde sua infância até os seus estudos na
Universidade do Chile. Após o
golpe de Estado de Augusto Pinochet, deixou o país e continuo os seus estudos
na Universidade de Iowa.
O documentário “Joan Baez in Latin American: There But
For Fortune” (1981) ganhou vários prêmios.
Como cineasta filmou a Revolução Sandinista na
Nicarágua, o assassinato do prefeito Moscone e Harvey Milk, ea tragédia do
Templo do Povo. Seu documentário de três partes do Vale do Silício (1986) e é considerado como um dos mais importantes
sobre a indústria de alta tecnologia da região. Inclui entrevistas com Steve Jobs e
Steve Wozniak (Apple), Bob Noyce e Gordon Moore (Intel), Jerry Sanders (AMD) e
outros.
Joan Baez (site oficial)
Joan
Baez América Latina Tour 2014 (oficial)
Joan Baez América Latina 2014 (videos): You Tube
Nota: Os tempos mudaram. Joan Baez foi recebida em 13 de março de 2014 pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, no Palácio de la Moneda.
Michelle Bachelet e Joan Baez, Palacio de La Moneda,
Santiago de Chile, 13-03- 2014
Michelle Bachelet, Joan Baez e seu filho Gabriel Harris no Palacio de La Moneda,
Santiago de Chile, 13-03- 2014. Fonte: Gobierno de Chile